segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Trechos: O Retrato de Dorian Gray

  


Título original: The Picture of Dorian Gray
Autor(a): Oscar Wilde
Ano: 1962
Editora: Biblioteca Azul
Páginas: 354

"Mas a beleza, a verdadeira beleza acaba quando começa a expressão intelectual. A intelectualidade é em si mesma um exagero e destrói a harmonia de qualquer rosto. Desde o instante em que alguém se senta para pensar, torna-se todo nariz, ou todo fronte ou alguma outra coisa assim horrível. Repare nos homens que triunfaram nas profissões intelectuais, como, de fato, são horrendos! Exceto, naturalmente, na Ingreja. Mas, na Igreja, ninguém pensa. Aos oitenta anos de idade, um bispo repete o que lhe ensinaram a dizer aos dezoito, e a consequência natural é que tem sempre um aspecto absolutamente delicioso."


"Os poetas sabem quanto ajuda a paixão utilmente divulgada. Hoje em dia, de um coração dilacerado tiram-se numerosas edições."


"É triste ter de admiti-lo, mas não se pode pôr em dúvida que o Gênio dura muito mais que a Beleza. Isso explica por que nos empenhamos tanto em instruir-nos. Temos necessidade, na dura luta pela vida, de algo que perdure, e enchemos o nosso entendimento de futilidades de todo tipo, na inútil esperança de manter o nosso prestígio. O homem culto, bem informado de tudo, é o ideal moderno. Mas a mente deste homem bem informado é uma coisa horrível. É como uma miscelânea monstruosa e empoeirada, onde os objetos amontoados custam sempre mais do que valem."


"Influenciar uma pessoa é transmitir-lhe a nossa própria alma. Ela já não pensa com os seus próprios pensamentos, nem arde com as suas próprias paixões. As suas virtudes não são reais para ela. Os seus pecados, se é que existem pecados, são emprestados. Ela se transforma em eco de uma música alheia, em ator de um papel que não escrito para ela. A finalidade da vida é o desenvolvimento próprio. O que devemos buscar é a realização da nossa própria natureza. O problema é que, hoje em dia, as pessoas têm medo de si mesmas. São caridosas, naturalmente. Alimentam o faminto e vestem o esfarrapado. No entanto, permitem que as suas almas morram de fome e andem nuas. O valor nos abandonou. Talvez nunca o tenhamos tido, realmente. O temor da sociedade, que é a base da moral, o temos de Deus, que é o segredo da religião... são os dois princípios que nos regem. E, contudo, creio que, se um homem quisesse viver a sua vida plena e completamente, se quisesse dar forma a todos os seus sentimentos, expressão a cada pensamento, realidade a todo sonho, creio que o mundo receberia tal impulso novo de alegria, que esqueceríamos todas as doenças medievais, para voltar ao ideal grego, a algo mais belo e mais rico, talvez, que esse ideal. No entanto, o mais corajoso dentre nós tem medo de si mesmo. A mutilação do selvagem tem a sua trágica consequência na própria renúncia que perverte as nossas vidas. Somos castigados pelas nossas renúncias. Todo impulso que procuramos extinguir germina em nossa mente e nos envenena. Pecando, o corpo se liberta do seu pecado, porque a ação é uma forma de purificação. Nada resta então a não ser a lembrança de um prazer ou a volúpia de um remorso. O único meio de nos livrarmos de uma tentação é ceder a ela. Se lhe resistirmos, nossas almas ficarão doentes, desejando as coisas que se proibiram a si mesmas, e, além disso, sentirão desejo que algumas leis perversas tornaram perverso e ilegal. Já se disse que os grandes acontecimentos acontecem no cérebro. É no cérebro e somente nele que também acontecem os grandes pecados do mundo. O senhor mesmo, Gray, com a sua juventude cor-de-rosa e a sua adolescência alvirrosada, deve ter tido paixões que o amedrontaram, pensamentos que o encheram de terror, sonhos despertos e sonhos adormecidos, cuja simples lembrança poderia tingir de vermelho as suas faces."


"A Beleza é uma forma do Gênio... mais elevada que o próprio Gênio, pois não precisa ser definida. É uma das realidades absolutas do mundo, como o sol, a primavera, ou o reflexo nas águas sombrias dessa concha de prata que chamamos lua. Isso não pode ser discutido. É um poder supremo de direito divido. Tornam-se príncipes aqueles que a possuem (...) Costuma-se dizer que Beleza é superficial. Pode ser que seja. Mas não tão superficial quanto o pensamento. Para mim, a Beleza é a maravilha das maravilhas. Só o medíocre não julga pelas aparências. O verdadeiro mistério do mundo é o visível, não o invisível."


"Não esbanje o ouro dos seus dias, dando ouvidos aos enfadonhos, tentando melhoras o fracasso sem esperança ou desperdiçando sua vida com o ignorante, com o fútil, com o vulgar."


"Sempre! É uma palavra terrível. Estremeço toda vez que a ouço. As mulheres gostam muito de usá-la. Estragam todos o idílio, querendo fazê-lo eterno. É uma palavra sem significado algum. A única diferença que há entre um capricho e uma paixão eterna é que o capricho dura um pouco mais."


"Adoro os prazeres simples. São o último refúgio do complexo. Mas não me agradam as cenas fora do palco."


"Gostaria de saber quem definiu o homem como um ser racional. É a mais tola das definições. O homem é uma infinidade de coisas, mas não é racional."


"Posso simpatizar com tudo, menos com o sofrimento. Com isso eu não consigo simpatizar. É demasiado feio, demasiado horrível, demasiado aflitivo. Há algo de terrivelmente doentio na simpatia moderna pela dor. Devemos simpatizar com a cor, com a beleza, com a alegria da vida. Quanto menos falarmos das chagas da vida, tanto melhor."


"Sim, este é um dos grandes segredos da vida. Hoje em dia, a maioria das pessoas morre de uma espécie de senso comum progressivo, descobrindo, quando já é demasiado tarde, que a única coisa que ninguém jamais lastima são os seus próprios erros."


"Aqueles que amam apenas uma vez na vida são os verdadeiramente superficiais. O que eles chamam de lealdade e fidelidade eu chamo de letargia do hábito ou a falta de imaginação. A fidelidade é, para a vida emocional, o que a estabilidade é para a vida intelectual: uma simples confissão de fracassos. Fidelidade! Algum dia vou analisá-la. Encontra-se nela a paixão pela propriedade. Existem muitas coisas que nós abandonaríamos se não receássemos que outras pessoas as pegassem."


"Sempre tive propensão pelos métodos das ciências naturais, mas as matérias correntes dessas ciências lhe haviam parecido vulgares e sem importância. Por isso, começara por dissecar a si mesmo e acabara dissecando os outros. A vida humana parecia-lhe a única coisa digna de investigação. Em comparação com ela, tudo o mais não possuía valor algum. Na verdade, todo aquele que observava a vida, em seu cadinho de dor e prazer, não podia usar a máscara de vidro no rosto, nem impedir que os vapores sulfurosos lhe perturbassem os cérebros e turvassem a imaginação com monstruosas fantasias e sonhos informes. Existiam venenos tão sutis que, para conhecer suas propriedades, era necessário experimentar seus efeitos em si mesmo. E enfermidades tão estranhas que era preciso tê-las sofrido, para compreender-lhes a natureza. E, no entanto, que grande recompensa se recebia! Em que maravilha se transformava o mundo inteiro! Anotar e estranha e poderosa lógica da paixão, e a vida emocional e colorida da inteligência, observar onde se encontram e onde se separam, em que ponto se conciliam em que ponto discordam - que deleite havia nisto! Que importava o preço? Nunca era demasiadamente caro o preço de tal sensação."


"As criaturas vulgares esperam que a vida lhes revele os seus segredos, mas apenas à minoria, aos eleitos, são mostrados os seus mistérios antes do cair do véu. Às vezes, isso se dá por efeito da arte, principalmente da arte literária, que se relaciona diretamente com as paixões e a inteligência. Porém, de vez em quando, uma personalidade complexa substituía e ocupava o ofício da arte. Chegava a ser de fato, a seu modo, uma verdadeira obra de arte, pois a Vida, da mesma forma que a poesia, a escultura ou a pintura, produz as suas obras-primas."


"Eu jamais aprovo nem desaprovo coisa alguma. Seria assumir uma atitude absurda para com a vida. Não fomos enviados ao mundo para divulgar os nossos preconceitos morais. Não dou nunca a menor importância ao que diz o vulgo em geral, nem intervenho jamais no que fazem as pessoas encantadoras. Se uma pessoa me fascina, seja qual for a forma de se expressar que essa pessoa escolha, será sempre absolutamente encantadora para mim."


"Quando somos felizes, somos sempre bons. Mas quando somos bons, nem sempre somos felizes (...) Ser bom é estar em harmonia consigo mesmo (...) E não ser bom é ser forçado a estar em harmonia com os outros. A nossa vida é a única que importa. Quanto às vidas alheias, alguém quiser ser pretensioso ou puritano, pode estender seu ponto de vista moralizante até elas, mas não nos dizem respeito. Além disso, o individualismo tem, de fato, o mais elevado objetivo. A moralidade moderna consiste em acompanhar o modelo da época. Considero, para qualquer homem culto, o simples fato de aceitar o modelo da época uma forma da mais indecorosa imoralidade."


"Existe certa volúpia em censurar a nós mesmos. Quando nos acusamos, sentimos que nenhum outro tem o direito de fazê-lo. É a confissão, e não o sacerdote, que nos dá a absolvição." 


"Talvez na quase totalidade das alegrias, com certeza, em todos os prazeres, haja um fundo de crueldade."


"Afastada das sombras irreais da noite, ressurge a vida, em sua já conhecida realidade. Devemos retomá-la onde a deixamos e, então, apodera-se de nós o terrível sentimento da necessária continuidade da energia no mesmo círculo monótono de hábitos estereotipados, ou então somos presas de um desejo selvagem de que nossas pálpebras se abram um dia sobre um mundo que tivesse sido refundado nas trevas para o nosso prazer, um mundo onde as coisas apresentariam novas formas e cores, que teria mudado ou que possuiria outros segredos, um mundo em que o passado ocuparia pouco ou nenhum espaço, em que as lembranças não sobreviveriam sob a forma inconsciente de obrigação ou de pesar, uma vez que a lembrança da própria felicidade encerra amarguras, assim como a lembrança do prazer já contém a sua dor."


"Costumava espantar-se com a psicologia superficial daqueles que concebem o Eu humano como uma coisa simples, imutável, digna de confiança e possuidora de uma só essência. Para ele, o homem era um ser de múltiplas vidas e múltiplas sensações, uma criatura complexa e com uma infinidade de facetas, que carregava dentro de si heranças estranhas de pensamentos e de paixões e cuja carne estava minada pela enfermidade monstruosa da morte."


"Sua alma estava mortalmente enferma (...) Contudo, mesmo que o perdão fosse impossível, ainda seria possível o esquecimento. E estava disposto a esquecer, a apagar aquilo de sua mente, a esmagar aquela lembrança como se esmaga uma víbora que nos picou."


"Um único pensamento de arrastava de uma célula a outra de seu cérebro, e o desejo selvagem de viver, o mais terrível de todos os aspectos humanos, excitava cada nervo, cada fibra de seu corpo. A feiura, que tantas vezes ele detestara por tornar as coisas mais reais, agora lhe parecia aceitável pela mesma razão. A feiura era a única realidade. As disputas grosseiras, os antros repugnantes, a violência crua de uma vida desordenada, a baixeza dos ladrões e dos criminosos, tudo isso possuía mais vida, em sua intensa realidade, do que todas as formas delicadas da Arte, do que as sombras sonhadoras da Poesia."


"A vida era muito breve para que se pudesse suportar sobre os ombros o peso dos erros dos outros. Cada homem vivia sua própria vida e pagava seu próprio preço para vivê-la. O que era para lamentar é que uma pessoa tivesse que pagar tanto por um único erro. E era preciso pagar cada vez mais, com efeito. Em seus relacionamentos com os homens, o Destino nunca para de cobrar as suas dívidas."


"A paixão romântica vive através da repetição, e esta transforma o desejo em arte. Além disso, quando se ama, é como se fosse a primeira e única vez. A diferença de objeto não altera a unidade da paixão, pode apenas intensificá-la. Ao longo de nossa vida, não costumamos ter senão uma grande experiência. O segredo da vida consiste em repeti-la o maior número de vezes."


"Esta criança que já se queimou continua gostando do fogo. Não ficou sequer chamuscada. Suas asas estão intactas." (Adaptação)


"...como a pintura de uma dor,
um rosto sem coração." (Citação de Hamlet)


"Se um homem encara a sua vida de um ponto de vista artístico, seu cérebro passa a ser seu coração."


"Qual o proveito de um homem que ganha o mundo inteiro, mas perde sua própria alma? (...) A alma é uma terrível realidade. Pode ser comprada, vendida ou trocada. Uma pessoa pode envenená-la ou aperfeiçoá-la. Cada um de nós possui a sua alma, tenho certeza."


"As coisas das quais estamos absolutamente certos nunca o são realmente. É essa a fatalidade da Fé e a lição da Ficção."


"A vida não pode ser guiada pela vontade ou pela intenção. A vida não mais é que um amontoado de nervos, de fibras, de células que se formam lentamente, onde se esconde o pensamento e onde a paixão oculta seus sonhos. Você pode acreditar que se encontra inteiramente seguro e cheio de forças. Contudo, a simples tonalidade de um aposento, um céu matinal, um perfume que você amou um dia e que lhe traz sutis recordações, um verso esquecido de um poema que volta à sua memória, uma melodia de uma peça musical que você deixou de tocar... digo-lhe, Dorian, que é de coisas assim que depende a nossa vida."